QUINCAS BORBA - CAPÍTULO 141 AO 150
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CAPÍTULO CXLI -ESTÁ DITO, vamos amanhã, repetiu Rubião, que espreitava o rosto aceso de Sofia. Mas o corcel viera fatigado da carreira, e deixou-se estar sonolento na cavalariça. Sofia era já outra; passara a vertigem da empresa, o ardor sonhado, o gosto de subir com ele a estrada da Tijuca. Dizendo-lhe Rubião que pediria ao marido que a deixasse ir ao passeio, redargüiu sem alma. -Está tonto! Fica para o domingo que vem! E fixou os olhos no trabalho de linha que fazia,-frioleira é o nome,-enquanto Rubião voltava os seus para um trechozinho de jardim mofino, ao pé da saleta de trabalho onde estavam. Sofia, sentada no angulo da janela, ia meneando os dedos. Rubião viu em duas rosas vulgares uma festa imperial, e esqueceu a sala, a mulher e a si. Não se pode dizer, ao certo, que tempo estiveram assim calados, alheios e remotos um do outro. Foi uma criada que os despertou, trazendo-lhes café. Bebido o café, Rubião concertou as barbas, tirou o relógio e despediu-se. Sofia, que espreitava a saída, ficou satisfeita, mas encobriu o gosto com o espanto. -Já! -Devo estar com um sujeito antes das quatro horas, explicou Rubião. Estamos entendidos; passeio de amanhã gorado. Vou mandar desavisar os cavalos. Mas será certo no domingo que vem? -Certo, certo, não posso afirmar; mas resolvendo-se em tempo o Cristiano, creio que sim. Sabe que meu marido é o homem dos impedimentos. Sofia acompanhou-o até à porta, estendeu-lhe a mão indiferente, espondeu sorrindo alguma cousa chocha, tornou à salinha em que estivera,- ao mesmo angulo, da mesma janela. Não continuou logo o trabalho, pôs uma perna sobre outra, fazendo descer, por hábito, a saia do vestido, e lançou uma olhada ao jardim, onde as duas rosas tinham dado ao nosso amigo uma visão imperial. Sofia não viu mais que duas flores mudas. Fitou-as, não obstante, algum tempo; em seguida, pegou da frioleira, trabalhou um pouco, deteve-se outro pouco, deixando as mãos no regaço; e voltou à obra, outra vez, para tornar a deixá-la. De repente, levantou-se e atirou as linhas e a navette à cestinha de junco, onde guardava os seus pretextos de trabalho. A cesta era ainda uma lembrança de Rubião. -Que homem aborrecido! Dali foi encostar-se à janela, que dava para o jardim mofino, onde iam murchando as duas rosas vulgares. Rosas, quando recentes, im-portam-se pouco ou nada com as Góleras dos outros; mas, se definham, tudo lhes serve para vexar a alma humana. Quero crer que este costume nasce da brevidade da vida. "Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno." E que melhor maneira de ferir o eterno que mofar das suas iras? Eu passo, tu ficas; mas eu não fiz mais que florir e aromar, servi a donas e a donzelas, fui letra de amor, ornei a botoeira dos homens, ou expiro no próprio arbusto, e todas as mãos, e todos os olhos me trataram e me viram com admiração e afeto. Tu não, ó eterno; tu zangas-te, tu padeces, tu choras, tu afligeste! a tua eternidade não vale um só dos meus minutos. Assim, quando Sofia chegou à janela que dava para o jardim, ambas as rosas riram-se a pétalas despregadas. Uma delas disse que era bem feito! bem feito! bem feito! -Tens razão em te zangares, formosa criatura, acrescentou, mas há de ser contigo, não com ele. Ele que vale? Um triste homem sem encantos, pode ser que bom amigo, e talvez generoso, mas repugnante, não? E tu, requestada de outros, que demônio te leva a dar ouvidos a esse intruso da vida? Humilha-te, ó soberba criatura, porque és tu mesma a causa do teu mal. Tu juras esquecê-lo, e não o esqueces. E é preciso esquecê-lo? Não te basta fitá-lo, escutá-lo, para desprezá-lo? Esse homem não diz cousa nenhuma, ó singular criatura, e tu... -Não é tanto assim, interrompeu a outra rosa, com a voz irônica e descansada; ele diz alguma cousa, e di-la desde muito sem dessa prendê-la, nem trocá-la; é firme, esquece a dor, crê na esperança. Toda a sua vida amorosa é como o passeio à Tijuca, de que vocês conversavam há pouco"Fica para o domingo que vem!" Eia, piedade ao menos; sê piedosa, ó boníssima Sofia! Se hás de amar a alguém, fora do matrimônio, ama-o a ele, que te ama e é discreto Anda, arrepende-te do gesto de há pouco . Que mal te fez ele, e que culpa lhe cabe se és bonita? E quando haja culpa, a cesta é que a não tem, só porque ele a comprou, e menos ainda as linhas e a navette que tu mesma mandaste comprar pela criada. Tu és má, Sofia, és injusta...
CAPÍTULO CXLII SOFIA deixou-se estar ouvindo, ouvindo... Interrogou outras plantas, e não lhe disseram cousa diferente. Há desses acertos maravilhosos Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de idéias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as cousas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra. A expressão"Conversar com os seus botões", parecendo simples metáfora, é frase de sentido real e direto. Os botões operam sincronicamente conosco; formam uma espécie de senado, cômodo e barato, que vota sempre as nossas moções.
CAPÍTULO CXLIII FEZ-SE O PASSEIO à Tijuca, sem outro incidente mais que uma queda do cavalo, ao descerem. Não foi Rubião que caiu, nem o Palha, mas a senhora deste, que vinha pensando em não sei que, e chicoteou o animal com raiva; ele espantou-se e deitou-a em terra. Sofia caiu com graça. Estava singularmente esbelta, vestida de amazona, corpinho tentador de justeza. Otelo exclamaria, se a visse"Oh! minha bela guerreira!" Rubião limitara-se a isto, ao começar o passeio"A senhora é um anjo!"
CAPÍTULO CXLIV - FIQUEI COM O JOELHO dorido, disse ela entrando em casa e coxeando. -Deixa ver. No quarto de vestir, Sofia levantou o pé sobre um banquinho e mostrou ao marido o joelho pisado; inchara um pouco, muito pouco, mas tocando-lhe, fazia-a gemer. Palha, não querendo machucá-la. chegou-lhe a pontinha dos beiços apenas. -Fiquei descomposta quando caí? -Não. Pois com um vestido tão comprido. . . Mal se pôde ver o bico do pé. Não houve nada, acredita. -Jura que não? -Que desconfiada que você é, Sofia! Juro por tudo o que há mais sagrado, pela luz que me alumia, por Deus Nosso Senhor. Estás satisfeita? Sofia ia cobrindo o joelho. -Deixa ver outra vez. Creio que não será nada maior; bota um pouco de qualquer cousa. Manda perguntar à botica. -Está bom, deixa-me ir despir, disse ela forcejando por descer o vestido. Mas o Palha baixara os olhos do joelho até ao resto da perna onde pegava com o cano da bota. De feito, era um belo trecho da natureza. A meia de seda mostrava a perfeição do contorno. Palha, por graça, ia perguntando à mulher se machucara aqui, e mais aqui, e mais aqui, indicando os lugares com a mão que ia descendo. Se aparecesse um pedacinho desta obra-prima, o céu e as árvores ficariam assombrados, concluiu ele enquanto a mulher descia o vestido e tirava o pé do banco. -Pode ser. mas havia só o céu e as árvores, disse ela, havia também os olhos do Rubião. -Ora, o Rubião! S verdade; ele nunca mais teve aquelas tolices de Santa Teresa? -Nunca; mas, enfim, não me agradaria... Jura de verdade, Cristiano? -O que você quer é que eu vá subindo de sagrado em sagrado, até à cousa mais sagrada. Jurei por Deus; não bastou. Juro por você; está satisfeita? Pieguives de lascivo. Saiu finalmente do quarto da mulher e foi para o seu. Aquele pudor medroso e incrédulo de Sofia fazia-lhe bem. Mostrava que ela era sua, totalmente sua; mas, por isso mesmo que ele a possuía, considerava que era de grande senhor não se afligir com a vista casual e instantânea de um pedaço oculto do seu reino. E lastimava que o casual tivesse parado na ponta da bota. Era apenas a fronteira; as primeiras vilas do território, antes da cidade machucada pela queda, dariam idéia de uma civilização sublime e perfeita. E ensaboando-se, esfregando a cara, o colo e a cabeça na vasta bacia de prata, escovando-se, enxugando-se, aromando-se Palha imaginava o pasmo e a inveja da única testemunha do desastre, se este fosse menos incompleto.
CAPÍTULO CXLV FOI POR ESSE TEMPO que Rubião pôs em espanto a todos os seus amigos. Na terça-feira seguinte ao domingo do passeio (era então janeiro de 1870) avisou a um barbeiro e cabeleireiro da Rua do Ouvidor que o mandasse barbear à casa, no outro dia. às nove horas da manhã. Lá foi um oficial francês, chamado Lucien, que entrou para o gabinete de Rubião, segundo as ordens dadas ao criado. -Uhm!... rosnou Quincas Borba, de cima dos joelhos do Rubião. Lucien cumprimentou o dono da casaeste, porém, não viu a cortesia, como não ouvira o sinal do Quincas Borba. Estava em uma longa cadeira de extensão, ermo do espírito, que rompera o tecto e se perdera no ar. A quantas léguas iria? Nem condor nem águia o poderia dizer. Em marcha para a lua,-não via cá embaixo mais que as felicidades perenes, chovidas sobre ele, desde o berço, onde o embalaram fadas, até à Praia de Botafogo, aonde elas o trouxeram por um chão de rosas e bogaris. Nenhum revés, nenhum malogro, nenhuma pobreza;-vida plácida, cosida de gozo, com rendas de supérfluo. Em marcha para a lua! O barbeiro relanceou os olhos pelo gabinete, onde fazia principal figura a secretária, e sobre ela os dous bustos de Napoleão e Luís Napoleão. Relativamente a este último, havia, ainda pendentes da parede, uma gravura ou litografia representando a Batalha de Sol ferino, e um retrato da imperatriz Eugênia. Rubião tinha nos pés um par de chinelas de damasco, bordadas a ouro; na cabeça, um gorro com borla de seda preta. Na boca um riso azul claro.
CAPÍTULO CXLVI -SENHOR... Uhm! repetiu Quincas Borba, de pé nos joelhos do senhor. Rubião voltou a si e deu com o barbeiro. Conhecia-o por tê-lo visto ultimamente na loja; ergueu-se da cadeira. Quincas Borba latia como a defendê-lo contra o intruso. -Sossega! cala a boca! disse-lhe Rubião; e o cachorro foi, de orelha baixa, meter-se por trás da cesta de papéis. Durante esse tempo, Lucien desembrulhava os seus aparelhos. -O senhor vai perder uma bela barba, dizia ele em francês. Conheço pessoas que fizeram a mesma cousa, mas para servir a alguma dama. Tenho sido confidente de homens respeitáveis... -Justamente! interrompeu Rubião. Não entendera nada; posto soubesse algum francês, mal o compreendia lido,-como sabemos,- e não o entendia falado. Mas, fenômeno curioso, não respondeu por impostura; ouviu as palavras, como se fossem cumprimento ou aclamação; e, ainda mais curioso fenômeno, respondendo-lhe em português, cuidava falar francês. -Justamente! repetiu. Quero restituir a cara ao tipo anterior; é aquele. E, como apontasse para o busto de Napoleão III, respondeu-lhe o barbeiro pela nossa língua -Ah! o imperador! Bonito busto, em verdade. Obra fina. 0 senhor comprou isto aqui ou mandou vir de Paris? São magníficos. Lá está o primeiro, o grande; este era um gênio. Se não fosse a traição, oh! os traidores, vê o senhor? os- traidores são piores que as bombas de Orsini. -Orsini! um coitado! -Pagou caro. -Pagou o que devia. Mas não há bombas nem Orsini contra o destino de um grande homem, continuou Rubião. Quando a fortuna de uma nação põe na cabeça de um grande homem a coroa imperial, não há maldades que valham... Orsini! um bobo! Em poucos minutos, começou o barbeiro a deitar abaixo as barbas de Rubião, para lhe deixar somente a pera e os bigodes de Napoleão III; encarecia-lhe o trabalho; afirmava que era difícil compor exatamente uma cousa como a outra. E à medida que lhe cortava as barbas, ia-as gabando-Que lindos fios! Era um grande e honesto sacrifício que fazia, em verdade... -"Seu" barbeiro, você é pernóstico, interrompeu Rubião. Já lhe disse o que quero; ponha-me a cara como estava. Ali tem o busto para guiá-lo. -Sim, senhor, cumprirei as suas ordens, e verá que semelhança vai sair. E zás, zás, deu os últimos golpes às barbas de Rubião, e começou a rapar-lhe as faces e os queixos. Durou longo tempo a operação, o barbeiro ia tranqüilamente rapando, comparando, dividindo os olhos entre o busto e o homem. Às vezes, para melhor cotejá-los, recuava dous passos, olhava-os alternadamente, inclinava-se, pedia ao homem que se virasse de um lado ou de outro, e ia ver o lado correspondente do busto. -Vai bem? perguntava Rubião. Lucien pedia-lhe com um gesto que se calasse, e prosseguia. Recortou a pera, deixou os bigodes, e escanhoou à vontade, lentamente, amigamente, aborrecidamente, adivinhando com os dedos alguma pontinha imperceptível de cabelo no queixo ou na face. As vezes Rubião, cansado de estar a olhar para o tecto, enquanto o outro lhe aperfeiçoava os queixos, pedia para descansar. Descansando, apalpava o rosto e sentia pelo tacto a mudança. -Os bigodes é que não estão muito compridos, observava. -Falta arranjar-lhes as guiasaqui trago os ferrinhos para encurvá-los bem sobre o lábio, e depois faremos as guias. Ah! eu pre6ro compor dez trabalhos originais a uma só cópia. Volveram ainda dez minutos, antes que os bigodes e a pera fossem bem retocados. Enfim, pronto, Rubião deu um salto, correu ao espelho, no quarto, que ficava ao pé; era o outro, eram ambos, era ele mesmo, em suma. -Justamente! exclamou tornando ao gabinete, onde o barbeiro, tendo arrecadado os aparelhos, fazia festas ao Quincas Borba. E indo à secretária, abriu uma gaveta, tirou uma nota de vinte mil-réis, e deu-lha. -Não tenho troco, disse o outro. -Não precisa dar troco, acudiu Rubião com um gesto soberano; tire o que houver de pagar à casa, e o resto é seu.
CAPÍTULO CXLVII FICANDO SÓ, Rubião atirou-se a uma poltrona, e viu passar muitas cousas suntuosas. Estava em Biarritz ou Compiègne, não se sabe bem; Compiègne, parece. Governou um grande Estado, ouviu ministros e embaixadores, dançou, jantou,-e assim outras ações narradas em correspondências de jornais, que ele lera e lhe ficaram de memória. Nem os ganidos de Quincas Borba logravam espertá-lo. Estava longe e alto. Compiègne era no caminho da lua. Em marcha para a lua!
CAPÍTULO CXLVIII QUANDO DESCEU DA LUA, ouviu os ganidos do cachorro e sentiu frio nos queixos. Correu ao espelho e verificou que a diferença entre a cara barbada e a cara lisa era grande mas que, assim lisa, não Ihe ficava mal. Os comensais chegaram à mesma conclusão. - Está perfeitamente bem! Há muito que devia ter feito isso. Não é que as barbas grandes lhe tirassem a nobreza do rosto; mas, assim como está agora, tem o que tinha, e mais um tom moderno... -Moderno, repetiu o anfitrião. Fora, igual espanto. Todos achavam sinceramente que este outro aspecto lhe ia melhor que o anterior. Uma só pessoa, o Dr. Camacho, posto julgasse que os bigodes e a pera ficavam muito bem ao amigo, ponderou que era de bom aviso não alterar o rosto, verdadeiro espelho da alma, cuja firmeza e constância devia reproduzir -Não é por lhe falar de mim, concluiu; mas, nunca me há de ver a cara de outro modo. t uma necessidade moral da minha pessoa. Minha vida, sacrificada aos princípios,-porque eu nunca tentei conciliar princípios, mas homens,-minha vida, digo, uma imagem fiel da minha cara, e vice-versa. Rubião ouvia com seriedade, e acenava de cabeça que sim, que devia ser assim por força. Sentia-se então imperador dos franceses incógnito, de passeio; descendo à rua, voltou ao que era. Dante, que viu tantas cousas extraordinárias, afirma ter assistido no inferno ao castigo de um espírito florentino, que uma serpente de seis pés abraçou de tal modo, e tão confundidos ficaram, que afinal já se não podia distinguir bem se era um ente único, se dous. Rubião era ainda dous. Não se misturavam nele a própria pessoa com o imperador dos franceses. Revezavam-se; chegavam a esquecer-se um do outro. Quando era só Rubião, não passava do homem do costume Quando subia a imperador, era só imperador. Equilibravam-se, um sem outro, ambos integrais.
CAPÍTULO CXLIX -QUE MUDANÇA É ESSA? perguntou Sofia, quando ele lhe apareceu no fim da semana. -Vim saber do seu joelho; está bom? -Obrigada. Eram duas horas da tarde. Sofia acabava de vestir-se para sair quando a criada lhe fora dizer que estava ali Rubião,- tão mudado de cara que parecia outro. Desceu a vê-lo curiosa; achara-o na sala, de pé, lendo os cartões de visita. - Mas que mudança é essa? repetiu ela. Rubião, sem nenhum sentimento imperial. respondeu que supunha ficarem-lhe melhor os bigodes e a pera. -Ou estou mais feio? concluiu. -Está melhor, muito melhor. E Sofia disse consigo que talvez fosse ela a causa da mudança Sentou-se no sofá, e começou a enfiar os dedos nas luvas.. -Vai sair? -Vou, mas o carro ainda não veio. Caiu-lhe uma das luvas. Rubião inclinou-se para apanhá-la, ela fez a mesma cousa, ambos pegaram na luva, e teimando em levantá-la sucedeu que as caras encontraram-se no ar, o nariz dela bateu no dele; e as bocas ficaram intactas para rir, como riram. -Machuquei-a? -Não! eu é que lhe pergunto. .. E riram outra vez. Sofia calçou a luva, Rubião fitou-lhe um pé que se mexia disfarçadamente, até que o criado veio dizer que a carruagem chegara. Ergueram-se, e ainda uma vez riram.
CAPÍTULO CL TESO, DESCOBERTO, o lacaio abriu a portinhola do coupé, quando Sofia assomou à porta. Rubião ofereceu a mão para ajudá-la a entrar, ela aceitou o obséquio e entrou. -Agora, até... Não pôde acabar a frase; Rubião entrara após ela e sentara-se-lhe ao lado; o lacaio fechou a portinhola, trepou à almofada, e o carro partiu.
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CAPÍTULO CXLI -ESTÁ DITO, vamos amanhã, repetiu Rubião, que espreitava o rosto aceso de Sofia. Mas o corcel viera fatigado da carreira, e deixou-se estar sonolento na cavalariça. Sofia era já outra; passara a vertigem da empresa, o ardor sonhado, o gosto de subir com ele a estrada da Tijuca. Dizendo-lhe Rubião que pediria ao marido que a deixasse ir ao passeio, redargüiu sem alma. -Está tonto! Fica para o domingo que vem! E fixou os olhos no trabalho de linha que fazia,-frioleira é o nome,-enquanto Rubião voltava os seus para um trechozinho de jardim mofino, ao pé da saleta de trabalho onde estavam. Sofia, sentada no angulo da janela, ia meneando os dedos. Rubião viu em duas rosas vulgares uma festa imperial, e esqueceu a sala, a mulher e a si. Não se pode dizer, ao certo, que tempo estiveram assim calados, alheios e remotos um do outro. Foi uma criada que os despertou, trazendo-lhes café. Bebido o café, Rubião concertou as barbas, tirou o relógio e despediu-se. Sofia, que espreitava a saída, ficou satisfeita, mas encobriu o gosto com o espanto. -Já! -Devo estar com um sujeito antes das quatro horas, explicou Rubião. Estamos entendidos; passeio de amanhã gorado. Vou mandar desavisar os cavalos. Mas será certo no domingo que vem? -Certo, certo, não posso afirmar; mas resolvendo-se em tempo o Cristiano, creio que sim. Sabe que meu marido é o homem dos impedimentos. Sofia acompanhou-o até à porta, estendeu-lhe a mão indiferente, espondeu sorrindo alguma cousa chocha, tornou à salinha em que estivera,- ao mesmo angulo, da mesma janela. Não continuou logo o trabalho, pôs uma perna sobre outra, fazendo descer, por hábito, a saia do vestido, e lançou uma olhada ao jardim, onde as duas rosas tinham dado ao nosso amigo uma visão imperial. Sofia não viu mais que duas flores mudas. Fitou-as, não obstante, algum tempo; em seguida, pegou da frioleira, trabalhou um pouco, deteve-se outro pouco, deixando as mãos no regaço; e voltou à obra, outra vez, para tornar a deixá-la. De repente, levantou-se e atirou as linhas e a navette à cestinha de junco, onde guardava os seus pretextos de trabalho. A cesta era ainda uma lembrança de Rubião. -Que homem aborrecido! Dali foi encostar-se à janela, que dava para o jardim mofino, onde iam murchando as duas rosas vulgares. Rosas, quando recentes, im-portam-se pouco ou nada com as Góleras dos outros; mas, se definham, tudo lhes serve para vexar a alma humana. Quero crer que este costume nasce da brevidade da vida. "Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno." E que melhor maneira de ferir o eterno que mofar das suas iras? Eu passo, tu ficas; mas eu não fiz mais que florir e aromar, servi a donas e a donzelas, fui letra de amor, ornei a botoeira dos homens, ou expiro no próprio arbusto, e todas as mãos, e todos os olhos me trataram e me viram com admiração e afeto. Tu não, ó eterno; tu zangas-te, tu padeces, tu choras, tu afligeste! a tua eternidade não vale um só dos meus minutos. Assim, quando Sofia chegou à janela que dava para o jardim, ambas as rosas riram-se a pétalas despregadas. Uma delas disse que era bem feito! bem feito! bem feito! -Tens razão em te zangares, formosa criatura, acrescentou, mas há de ser contigo, não com ele. Ele que vale? Um triste homem sem encantos, pode ser que bom amigo, e talvez generoso, mas repugnante, não? E tu, requestada de outros, que demônio te leva a dar ouvidos a esse intruso da vida? Humilha-te, ó soberba criatura, porque és tu mesma a causa do teu mal. Tu juras esquecê-lo, e não o esqueces. E é preciso esquecê-lo? Não te basta fitá-lo, escutá-lo, para desprezá-lo? Esse homem não diz cousa nenhuma, ó singular criatura, e tu... -Não é tanto assim, interrompeu a outra rosa, com a voz irônica e descansada; ele diz alguma cousa, e di-la desde muito sem dessa prendê-la, nem trocá-la; é firme, esquece a dor, crê na esperança. Toda a sua vida amorosa é como o passeio à Tijuca, de que vocês conversavam há pouco"Fica para o domingo que vem!" Eia, piedade ao menos; sê piedosa, ó boníssima Sofia! Se hás de amar a alguém, fora do matrimônio, ama-o a ele, que te ama e é discreto Anda, arrepende-te do gesto de há pouco . Que mal te fez ele, e que culpa lhe cabe se és bonita? E quando haja culpa, a cesta é que a não tem, só porque ele a comprou, e menos ainda as linhas e a navette que tu mesma mandaste comprar pela criada. Tu és má, Sofia, és injusta...
CAPÍTULO CXLII SOFIA deixou-se estar ouvindo, ouvindo... Interrogou outras plantas, e não lhe disseram cousa diferente. Há desses acertos maravilhosos Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de idéias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as cousas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra. A expressão"Conversar com os seus botões", parecendo simples metáfora, é frase de sentido real e direto. Os botões operam sincronicamente conosco; formam uma espécie de senado, cômodo e barato, que vota sempre as nossas moções.
CAPÍTULO CXLIII FEZ-SE O PASSEIO à Tijuca, sem outro incidente mais que uma queda do cavalo, ao descerem. Não foi Rubião que caiu, nem o Palha, mas a senhora deste, que vinha pensando em não sei que, e chicoteou o animal com raiva; ele espantou-se e deitou-a em terra. Sofia caiu com graça. Estava singularmente esbelta, vestida de amazona, corpinho tentador de justeza. Otelo exclamaria, se a visse"Oh! minha bela guerreira!" Rubião limitara-se a isto, ao começar o passeio"A senhora é um anjo!"
CAPÍTULO CXLIV - FIQUEI COM O JOELHO dorido, disse ela entrando em casa e coxeando. -Deixa ver. No quarto de vestir, Sofia levantou o pé sobre um banquinho e mostrou ao marido o joelho pisado; inchara um pouco, muito pouco, mas tocando-lhe, fazia-a gemer. Palha, não querendo machucá-la. chegou-lhe a pontinha dos beiços apenas. -Fiquei descomposta quando caí? -Não. Pois com um vestido tão comprido. . . Mal se pôde ver o bico do pé. Não houve nada, acredita. -Jura que não? -Que desconfiada que você é, Sofia! Juro por tudo o que há mais sagrado, pela luz que me alumia, por Deus Nosso Senhor. Estás satisfeita? Sofia ia cobrindo o joelho. -Deixa ver outra vez. Creio que não será nada maior; bota um pouco de qualquer cousa. Manda perguntar à botica. -Está bom, deixa-me ir despir, disse ela forcejando por descer o vestido. Mas o Palha baixara os olhos do joelho até ao resto da perna onde pegava com o cano da bota. De feito, era um belo trecho da natureza. A meia de seda mostrava a perfeição do contorno. Palha, por graça, ia perguntando à mulher se machucara aqui, e mais aqui, e mais aqui, indicando os lugares com a mão que ia descendo. Se aparecesse um pedacinho desta obra-prima, o céu e as árvores ficariam assombrados, concluiu ele enquanto a mulher descia o vestido e tirava o pé do banco. -Pode ser. mas havia só o céu e as árvores, disse ela, havia também os olhos do Rubião. -Ora, o Rubião! S verdade; ele nunca mais teve aquelas tolices de Santa Teresa? -Nunca; mas, enfim, não me agradaria... Jura de verdade, Cristiano? -O que você quer é que eu vá subindo de sagrado em sagrado, até à cousa mais sagrada. Jurei por Deus; não bastou. Juro por você; está satisfeita? Pieguives de lascivo. Saiu finalmente do quarto da mulher e foi para o seu. Aquele pudor medroso e incrédulo de Sofia fazia-lhe bem. Mostrava que ela era sua, totalmente sua; mas, por isso mesmo que ele a possuía, considerava que era de grande senhor não se afligir com a vista casual e instantânea de um pedaço oculto do seu reino. E lastimava que o casual tivesse parado na ponta da bota. Era apenas a fronteira; as primeiras vilas do território, antes da cidade machucada pela queda, dariam idéia de uma civilização sublime e perfeita. E ensaboando-se, esfregando a cara, o colo e a cabeça na vasta bacia de prata, escovando-se, enxugando-se, aromando-se Palha imaginava o pasmo e a inveja da única testemunha do desastre, se este fosse menos incompleto.
CAPÍTULO CXLV FOI POR ESSE TEMPO que Rubião pôs em espanto a todos os seus amigos. Na terça-feira seguinte ao domingo do passeio (era então janeiro de 1870) avisou a um barbeiro e cabeleireiro da Rua do Ouvidor que o mandasse barbear à casa, no outro dia. às nove horas da manhã. Lá foi um oficial francês, chamado Lucien, que entrou para o gabinete de Rubião, segundo as ordens dadas ao criado. -Uhm!... rosnou Quincas Borba, de cima dos joelhos do Rubião. Lucien cumprimentou o dono da casaeste, porém, não viu a cortesia, como não ouvira o sinal do Quincas Borba. Estava em uma longa cadeira de extensão, ermo do espírito, que rompera o tecto e se perdera no ar. A quantas léguas iria? Nem condor nem águia o poderia dizer. Em marcha para a lua,-não via cá embaixo mais que as felicidades perenes, chovidas sobre ele, desde o berço, onde o embalaram fadas, até à Praia de Botafogo, aonde elas o trouxeram por um chão de rosas e bogaris. Nenhum revés, nenhum malogro, nenhuma pobreza;-vida plácida, cosida de gozo, com rendas de supérfluo. Em marcha para a lua! O barbeiro relanceou os olhos pelo gabinete, onde fazia principal figura a secretária, e sobre ela os dous bustos de Napoleão e Luís Napoleão. Relativamente a este último, havia, ainda pendentes da parede, uma gravura ou litografia representando a Batalha de Sol ferino, e um retrato da imperatriz Eugênia. Rubião tinha nos pés um par de chinelas de damasco, bordadas a ouro; na cabeça, um gorro com borla de seda preta. Na boca um riso azul claro.
CAPÍTULO CXLVI -SENHOR... Uhm! repetiu Quincas Borba, de pé nos joelhos do senhor. Rubião voltou a si e deu com o barbeiro. Conhecia-o por tê-lo visto ultimamente na loja; ergueu-se da cadeira. Quincas Borba latia como a defendê-lo contra o intruso. -Sossega! cala a boca! disse-lhe Rubião; e o cachorro foi, de orelha baixa, meter-se por trás da cesta de papéis. Durante esse tempo, Lucien desembrulhava os seus aparelhos. -O senhor vai perder uma bela barba, dizia ele em francês. Conheço pessoas que fizeram a mesma cousa, mas para servir a alguma dama. Tenho sido confidente de homens respeitáveis... -Justamente! interrompeu Rubião. Não entendera nada; posto soubesse algum francês, mal o compreendia lido,-como sabemos,- e não o entendia falado. Mas, fenômeno curioso, não respondeu por impostura; ouviu as palavras, como se fossem cumprimento ou aclamação; e, ainda mais curioso fenômeno, respondendo-lhe em português, cuidava falar francês. -Justamente! repetiu. Quero restituir a cara ao tipo anterior; é aquele. E, como apontasse para o busto de Napoleão III, respondeu-lhe o barbeiro pela nossa língua -Ah! o imperador! Bonito busto, em verdade. Obra fina. 0 senhor comprou isto aqui ou mandou vir de Paris? São magníficos. Lá está o primeiro, o grande; este era um gênio. Se não fosse a traição, oh! os traidores, vê o senhor? os- traidores são piores que as bombas de Orsini. -Orsini! um coitado! -Pagou caro. -Pagou o que devia. Mas não há bombas nem Orsini contra o destino de um grande homem, continuou Rubião. Quando a fortuna de uma nação põe na cabeça de um grande homem a coroa imperial, não há maldades que valham... Orsini! um bobo! Em poucos minutos, começou o barbeiro a deitar abaixo as barbas de Rubião, para lhe deixar somente a pera e os bigodes de Napoleão III; encarecia-lhe o trabalho; afirmava que era difícil compor exatamente uma cousa como a outra. E à medida que lhe cortava as barbas, ia-as gabando-Que lindos fios! Era um grande e honesto sacrifício que fazia, em verdade... -"Seu" barbeiro, você é pernóstico, interrompeu Rubião. Já lhe disse o que quero; ponha-me a cara como estava. Ali tem o busto para guiá-lo. -Sim, senhor, cumprirei as suas ordens, e verá que semelhança vai sair. E zás, zás, deu os últimos golpes às barbas de Rubião, e começou a rapar-lhe as faces e os queixos. Durou longo tempo a operação, o barbeiro ia tranqüilamente rapando, comparando, dividindo os olhos entre o busto e o homem. Às vezes, para melhor cotejá-los, recuava dous passos, olhava-os alternadamente, inclinava-se, pedia ao homem que se virasse de um lado ou de outro, e ia ver o lado correspondente do busto. -Vai bem? perguntava Rubião. Lucien pedia-lhe com um gesto que se calasse, e prosseguia. Recortou a pera, deixou os bigodes, e escanhoou à vontade, lentamente, amigamente, aborrecidamente, adivinhando com os dedos alguma pontinha imperceptível de cabelo no queixo ou na face. As vezes Rubião, cansado de estar a olhar para o tecto, enquanto o outro lhe aperfeiçoava os queixos, pedia para descansar. Descansando, apalpava o rosto e sentia pelo tacto a mudança. -Os bigodes é que não estão muito compridos, observava. -Falta arranjar-lhes as guiasaqui trago os ferrinhos para encurvá-los bem sobre o lábio, e depois faremos as guias. Ah! eu pre6ro compor dez trabalhos originais a uma só cópia. Volveram ainda dez minutos, antes que os bigodes e a pera fossem bem retocados. Enfim, pronto, Rubião deu um salto, correu ao espelho, no quarto, que ficava ao pé; era o outro, eram ambos, era ele mesmo, em suma. -Justamente! exclamou tornando ao gabinete, onde o barbeiro, tendo arrecadado os aparelhos, fazia festas ao Quincas Borba. E indo à secretária, abriu uma gaveta, tirou uma nota de vinte mil-réis, e deu-lha. -Não tenho troco, disse o outro. -Não precisa dar troco, acudiu Rubião com um gesto soberano; tire o que houver de pagar à casa, e o resto é seu.
CAPÍTULO CXLVII FICANDO SÓ, Rubião atirou-se a uma poltrona, e viu passar muitas cousas suntuosas. Estava em Biarritz ou Compiègne, não se sabe bem; Compiègne, parece. Governou um grande Estado, ouviu ministros e embaixadores, dançou, jantou,-e assim outras ações narradas em correspondências de jornais, que ele lera e lhe ficaram de memória. Nem os ganidos de Quincas Borba logravam espertá-lo. Estava longe e alto. Compiègne era no caminho da lua. Em marcha para a lua!
CAPÍTULO CXLVIII QUANDO DESCEU DA LUA, ouviu os ganidos do cachorro e sentiu frio nos queixos. Correu ao espelho e verificou que a diferença entre a cara barbada e a cara lisa era grande mas que, assim lisa, não Ihe ficava mal. Os comensais chegaram à mesma conclusão. - Está perfeitamente bem! Há muito que devia ter feito isso. Não é que as barbas grandes lhe tirassem a nobreza do rosto; mas, assim como está agora, tem o que tinha, e mais um tom moderno... -Moderno, repetiu o anfitrião. Fora, igual espanto. Todos achavam sinceramente que este outro aspecto lhe ia melhor que o anterior. Uma só pessoa, o Dr. Camacho, posto julgasse que os bigodes e a pera ficavam muito bem ao amigo, ponderou que era de bom aviso não alterar o rosto, verdadeiro espelho da alma, cuja firmeza e constância devia reproduzir -Não é por lhe falar de mim, concluiu; mas, nunca me há de ver a cara de outro modo. t uma necessidade moral da minha pessoa. Minha vida, sacrificada aos princípios,-porque eu nunca tentei conciliar princípios, mas homens,-minha vida, digo, uma imagem fiel da minha cara, e vice-versa. Rubião ouvia com seriedade, e acenava de cabeça que sim, que devia ser assim por força. Sentia-se então imperador dos franceses incógnito, de passeio; descendo à rua, voltou ao que era. Dante, que viu tantas cousas extraordinárias, afirma ter assistido no inferno ao castigo de um espírito florentino, que uma serpente de seis pés abraçou de tal modo, e tão confundidos ficaram, que afinal já se não podia distinguir bem se era um ente único, se dous. Rubião era ainda dous. Não se misturavam nele a própria pessoa com o imperador dos franceses. Revezavam-se; chegavam a esquecer-se um do outro. Quando era só Rubião, não passava do homem do costume Quando subia a imperador, era só imperador. Equilibravam-se, um sem outro, ambos integrais.
CAPÍTULO CXLIX -QUE MUDANÇA É ESSA? perguntou Sofia, quando ele lhe apareceu no fim da semana. -Vim saber do seu joelho; está bom? -Obrigada. Eram duas horas da tarde. Sofia acabava de vestir-se para sair quando a criada lhe fora dizer que estava ali Rubião,- tão mudado de cara que parecia outro. Desceu a vê-lo curiosa; achara-o na sala, de pé, lendo os cartões de visita. - Mas que mudança é essa? repetiu ela. Rubião, sem nenhum sentimento imperial. respondeu que supunha ficarem-lhe melhor os bigodes e a pera. -Ou estou mais feio? concluiu. -Está melhor, muito melhor. E Sofia disse consigo que talvez fosse ela a causa da mudança Sentou-se no sofá, e começou a enfiar os dedos nas luvas.. -Vai sair? -Vou, mas o carro ainda não veio. Caiu-lhe uma das luvas. Rubião inclinou-se para apanhá-la, ela fez a mesma cousa, ambos pegaram na luva, e teimando em levantá-la sucedeu que as caras encontraram-se no ar, o nariz dela bateu no dele; e as bocas ficaram intactas para rir, como riram. -Machuquei-a? -Não! eu é que lhe pergunto. .. E riram outra vez. Sofia calçou a luva, Rubião fitou-lhe um pé que se mexia disfarçadamente, até que o criado veio dizer que a carruagem chegara. Ergueram-se, e ainda uma vez riram.
CAPÍTULO CL TESO, DESCOBERTO, o lacaio abriu a portinhola do coupé, quando Sofia assomou à porta. Rubião ofereceu a mão para ajudá-la a entrar, ela aceitou o obséquio e entrou. -Agora, até... Não pôde acabar a frase; Rubião entrara após ela e sentara-se-lhe ao lado; o lacaio fechou a portinhola, trepou à almofada, e o carro partiu.
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